segunda-feira, 18 de maio de 2009

Rogando praga ....



“Estamos rogando uma praga antecipatória às futuras gerações”; Diz Marina Silva



Por Camila Souza Ramos (Revista Fórum)



Em uma época em que crise é a palavra mais citada para identificar não só a atual situação financeira, mas o panorama de nossa civilização, reforça-se a palavra sustentabilidade como prática de proteção ao meio ambiente, mas do próprio ser humano. Com uma forma não convencional de explicar sustentabilidade, Marina Silva também atribuiu um novo significado ao termo, retomando a necessidade natural que o homem tem em ser sustentável. A senadora e ex-ministra do Meio Ambiente esteve presente em evento do Movimento Nossa São Paulo nesta sexta-feira, 15, e falou para o auditório do SESC Consolação lotado sobre a ressignificação de sustentabilidade nos dias atuais. “Essa é uma crise civilizatória, estamos em uma esquina ética em que teremos que fazer escolhas”, disse. “Estamos para decidir entre tomar três tipos de atitudes: podemos ficar estagnados e sermos levados; podemos fraudar o teste e fingir que tomamos atitudes que não resolvem; ou passar no teste, levando em conta o princípio da precaução”.

O caminho que nos levou a essa encruzilhada, diz Marina, iniciou-se a partir da cisão entre nós e o ambiente, e do domínio de nossas vontades sobre nossas necessidades. “Desde que o ‘id’ dominou a Terra, esquecemos de cuidar da sustentabilidade em todos os aspectos da vida”, afirma. Por isso ela acredita que precisamos ser “sustentáveis espiritualmente” também. Os discursos gerados a partir dessa cisão entre o eu e o ambiente criaram objetivos individualistas e autodestrutivos. “Nossa civilização criou a idéia de que o céu é o limite. Mas o aquecimento global tem mostrado que o céu é quem tem nos limitado. Estamos agora encontrando os limites da natureza”, fala. O comportamento derivado dessa cisão e sua reprodução são a ponta mais evidente desse processo. Marina lembra que “ninguém nasce querendo ter as coisas”. “Primeiro a gente aprende a ser gente, depois aprende a ter coisas. Acontece que aprendemos primeiro a ter as coisas do que a fazer com respeito. E esse fazer-fazer para ter-ter que tornou nossa civilização inviabilizadora”, coloca. Mas esquecemos que esta reprodução de comportamentos e discursos resulta na determinação de um destino para as futuras gerações. “Qual o projeto antecipatório que nós temos para aqueles que ainda não nasceram? No atual contexto, o que temos é uma praga antecipatória”, provoca. “Se não houvesse ninguém que nos formássemos, morreríamos. E o homem é um ser que depende da sustentação do outro, ele depende que os outros signifiquem para ele. É o outro que faz significação para dar sentido às coisas”, continua a senadora.
Marina defendeu a criação do novo índice de qualidade de vida (link). “Tudo depende de nossos referenciais. Índices nem sempre apontam felicidade do povo”, defende. “Temos que pensar o que é essa história de bem-estar”. Mas Marina ressalta que o índice não deve servir somente para a população cobrar das autoridades uma melhora nos números registrados. “Os fóruns não deve colocar tudo para o governo. As pessoas acham que tudo é o governo. Existe responsabilidade do cidadão comum, podemos eleger caminhos diferentes”, completa.


terça-feira, 5 de maio de 2009

Gripe Suína

Por José Saramago

Não sei nada do assunto e a experiência directa de haver convivido com porcos na infância e na adolescência não me serve de nada. Aquilo era mais uma família híbrida de humanos e animais que outra coisa. Mas leio com atenção os jornais, ouço e vejo as reportagens da rádio e da televisão, e, graças a alguma leitura providencial que me tem ajudado a compreender melhor os bastidores das causas primeiras da anunciada pandemia, talvez possa trazer aqui algum dado que esclareça por sua vez o leitor. Há muito tempo que os especialistas em virologia estão convencidos de que o sistema de agricultura intensiva da China meridional foi o principal vector da mutação gripal: tanto da “deriva” estacional como do episódico “intercâmbio” genómico. Há já seis anos que a revista Science publicava um artigo importante em que mostrava que, depois de anos de estabilidade, o vírus da gripe suína da América do Norte havia dado um salto evolutivo vertiginoso. A industrialização, por grandes empresas, da produção pecuária rompeu o que até então tinha sido o monopólio natural da China na evolução da gripe. Nas últimas décadas, o sector pecuário transformou-se em algo que se parece mais à indústria petroquímica que à bucólica quinta familiar que os livros de texto na escola se comprazem em descrever…
Em 1966, por exemplo, havia nos Estados Unidos 53 milhões de suínos distribuídos por um milhão de granjas. Actualmente, 65 milhões de porcos concentram-se em 65.000 instalações. Isso significou passar das antigas pocilgas aos ciclópicos infernos fecais de hoje, nos quais, entre o esterco e sob um calor sufocante, prontos para intercambiar agente patogénicos à velocidade do raio, se amontoam dezenas de milhões de animais com mais do que debilitados sistemas imunitários.
Não será, certamente, a única causa, mas não poderá ser ignorada.
Continuemos. No ano passado, uma comissão convocada pelo Pew Research Center publicou um relatório sobre a “produção animal em granjas industriais, onde se chamava a atenção para o grave perigo de que a contínua circulação de vírus, característica das enormes varas ou rebanhos, aumentasse as possibilidades de aparecimento de novos vírus por processos de mutação ou de recombinação que poderiam gerar vírus mais eficientes na transmissão entre humanos”. A comissão alertou também para o facto de que o uso promíscuo de antibióticos nas fábricas porcinas – mais barato que em ambientes humanos – estava proporcionando o auge de infecções estafilocócicas resistentes, ao mesmo tempo que as descargas residuais geravam manifestações de escherichia coli e de pfiesteria (o protozoário que matou milhares de peixes nos estuários da Carolina do Norte e contagiou dezenas de pescadores).
Qualquer melhoria na ecologia deste novo agente patogénico teria que enfrentar-se ao monstruoso poder dos grandes conglomerados empresariais avícolas e ganadeiros, como Smithfield Farms (suíno e vacum) e Tyson (frangos). A comissão falou de uma obstrução sistemática das suas investigações por parte das grandes empresas, incluídas umas nada recatadas ameaças de suprimir o financiamento dos investigadores que cooperaram com a comissão. Trata-se de uma indústria muito globalizada e com influências políticas. Assim como o gigante avícola Charoen Pokphand, radicado em Bangkok, foi capaz de desbaratar as investigações sobre o seu papel na propagação da gripe aviária no Sudeste asiático, o mais provável é que a epidemiologia forense do surto da gripe suína esbarre contra a pétrea muralha da indústria do porco. Isso não quer dizer que não venha a encontrar-se nunca um dedo acusador: já corre na imprensa mexicana o rumor de um epicentro da gripe situado numa gigantesca filial de Smithfield no estado de Veracruz. Mas o mais importante é o bosque, não as árvores: a fracassada estratégia antipandémica da Organização Mundial de Saúde, o progressivo deterioramento da saúde pública mundial, a mordaça aplicada pelas grandes transnacionais farmacêuticas a medicamentos vitais e a catástrofe planetária que é uma produção pecuária industralizada e ecologicamente sem discernimento.
Como se observa, os contágios são muito mais complicados que entrar um vírus presumivelmente mortal nos pulmões de um cidadão apanhado na teia dos interesses materiais e da falta de escrúpulos das grandes empresas. Tudo está contagiando tudo. A primeira morte, há longo tempo, foi a da honradez. Mas poderá, realmente, pedir-se honradez a uma transnacional? Quem nos acode?